Antônio Roberto
Inúmeras pessoas se queixam da falta de sentido na vida. Essa reclamação só ocorre em momentos de sofrimento, desilusão, depressão e estresse. Nunca nos perguntamos pelo sentido da vida quando estamos felizes, usufruindo algum prazer, em estado de graça. A vida, no entanto, não tem, em si mesma, nenhum sentido. É nascer, viver e morrer. Essa afirmação, no entanto, não guarda nenhum pessimismo ou frustração. Ao mesmo tempo, é justamente pelo fato de a vida não ter nenhum sentido que nós podemos criar um sentido para a nossa vida – escrever os próprios sonhos, criar os nossos caminhos, construir uma existência própria.
Duas condições são básicas para um sentido à vida. Primeiramente não aceitar a pressão social para um sentido padronizado da vida. Cada um de nós é um indivíduo e, por isso, singular. Cada um tem sua particularidade, gostos, opções... E a construção vital deve obedecer a essa singularidade. A sociedade tende à padronização e estabelece regras que nos farão felizes. A autonomia humana, ao contrário, estabelece que a felicidade é pessoal, intransferível e inalienável. A felicidade ou o sentido da vida é personalizado. Quando muito, posso apenas partilhar esse sentido com o sentido da vida de outras pessoas.
A segunda condição é saber que não adianta procurar fora de nós mesmos o rumo da existência. Não podemos pegar carona na vida de outras pessoas. Os pais, cujo sentido existencial está nos filhos, o marido ou a mulher, cuja graça de viver depende totalmente do outro, as pessoas que depositam todo o valor da vida no sucesso social, no dinheiro, no poder, no domínio e controle de outrem estão fadados, mais cedo ou mais tarde, a um vazio e à perda do sentido da vida.
O amar a si próprio e a aceitação de si mesmo nos fazem ter sintonia com nosso coração, intuição e desejos, que determinam nosso rumo na vida. Como a vida só existe no momento presente, o seu sentido é também sempre agora. O contrato feito com nossos sentimentos e com nosso corpo é o alicerce seguro para que nossa cabeça planeje a entrada. Na mesma proporção do auto-amor, deve ser considerado o amor às outras pessoas. É impossível aprender, significativamente, o amor sem a partilha, sem soltar as amarras do coração e deixar que nossa luz envolva quem se aproximar.
A inteireza, a totalidade, o envolvimento com o outro são sinais de rumo, de significado. Dizia o Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração”. A lógica e a racionalidade, desvinculadas da emoção, nos conduzem a um sentido da vida periférico, sem sustentação...
A vida é emocional. Nós somos aquilo que sentimos. As emoções, por outro lado, é uma bússola. Elas nos dizem se estamos no rumo errado. As emoções dolorosas, chamadas de negativas, nos convidam a uma mudança de rota. As positivas nos mostram o caminho certo. Um outro aspecto relevante do sentido da vida é sua relação com a aceitação ou não da realidade.
Certa vez, um jovem deprimido, de 24 anos, me apresentava a seguinte questão:
- “Que sentido tem a vida? Se um dia vou morrer, pra que estudar?”.
Nós não escolhemos nascer, não escolhemos morrer. A única escolha que nos sobrou foi como viver. Se aceitarmos a realidade tal qual ela é, com seus altos e baixos, seus verões e invernos, nossa vida terá a totalidade dos opostos e sentiremos um imenso prazer no fato de estarmos vivos. Se, ao contrário, de maneira onipotente, queremos uma vida idealizada e perfeita, sem erros, sem perdas e sem dor, nossa existência se torna um recuo, uma fuga, um medo de viver.
O grande problema humano não é a perda, a doença ou a morte, mas o medo dessas coisas. Aceitar a fragilidade humana e não resistir à realidade nos faz participantes da melhoria do mundo e protagonistas ativos dessa brincadeira, que é viver. Há coisas que estão sob nosso controle e outras que não estão. A felicidade, o sentido dado à nossa vida, vem da nossa disponibilidade. Viver, como diz Guimarães Rosa, é muito perigoso. Um sim aos riscos, ao desconhecido e ao inesperado nos faz participantes esperançosos do mistério da realidade. A vida é um mistério para ser vivido e não um enigma a ser decifrado. Enquanto nossa cabeça tentar explicar o mundo, de onde viemos e para onde vamos, perdemos o sol, as cores, o afeto, o gosto, o tato, os sons oferecidos ao nosso corpo. A vida é apenas para ser saboreada.” [Estado de Minas – Domingo, 4 de janeiro de 2004, Caderno Bem Viver, página 2.]
COM BASE NA LEITURA DO TEXTO ACIMA, RESPONDA:
1. A vida, segundo Antônio Roberto, “não tem, em si mesma, nenhum sentido...” Por outro lado, o autor fala, também, que essa afirmação “não guarda nenhum pessimismo ou frustração...”, por quê?
2. “Duas condições são básicas para um sentido à vida”, quais são elas, segundo o autor?
3. “... amar a si próprio e a aceitação de si mesmo nos fazem ter sintonia com nosso coração...”, por quê? Justifique sua resposta com partes do texto.
4. “Só se vê bem com o coração”, por quê?
5. “A vida é emocional”, o que isso significa?
6. “O grande problema humano não é a perda, a doença ou a morte, mas o medo dessas coisas”, por quê?