terça-feira, 1 de junho de 2010

Filosofia: A Senhora Fortuna

A senhora fortuna
Pablo Capistrano
            (...) Na antiga Roma imperial já se tinha consciência de que tudo aquilo que a vida nos dá com uma das mãos pode nos retirar com a outra.
            Curiosamente, essa idéia era representada na figura de uma deusa, cuja imagem era comumente encontrada em moedas. A Fortuna surgiu como uma divindade da fertilidade primogênita de Júpiter, deusa do destino que carregava numa das mãos uma cornucópia (uma espécie de chifre mágico) e na outra mão, um leme. De dentro da cornucópia dava aos mortais bênçãos diversas: dinheiro, amor, fama e sucesso. Com o leme, mudava, subitamente, o destino dos mortais.
            Pense num acidente de avião. Pense na quantidade de pessoas que tiveram bruscamente o destino de suas vidas modificado por esse desastre. Pense nas pessoas que, por um atraso de minutos ou por uma circunstância de pequenos desencontros, escaparam da morte [nesse acidente].
            Pensar sobre isso incomoda porque nos lança diante da evidência de nossa própria fragilidade. Somos muito pequenos diante das circunstâncias e o mundo, com seus ritmos e com seu amontoado de acasos, pode, num segundo, nos oferecer muito ou nos tirar tudo.
            A consciência dessa instabilidade é o ponto de partida da filosofia estóica. Originária na Grécia e depois trazida para o centro do Império Romano por Cícero, o estoicismo acabou por se tornar uma das correntes mais influentes da filosofia romana. (...) o estoicismo era exercido nos portões das cidades.
            Zonas de transição das cidades antigas, os portões (stoá em grego) eram espaços de intercâmbio, nos quais os estrangeiros e cidadãos comercializavam. O estoicismo cresceu, assim, entre os cidadãos de um império imenso, num mundo sem direitos ou garantias individuais, cercado de grande instabilidade e fragmentação.
            Entre os grandes pensadores romanos desse período encontramos Lucio Aneu Sêneca. Nascido em 3 a.C., filho de uma abastada família espanhola, Sêneca se destacou no mundo político e flertou diretamente com o poder. Chegou a ser tutor de Nero e juntou uma grande fortuna, cobrando impostos dos moradores da Bretanha ocupada.
            (...) Mas nem o poder político, nem a riqueza, nem o prestígio intelectual, nem todas as glórias e prerrogativas do Império impediram Sêneca de ter um fim de vida trágico. Vítima de intrigas palacianas, o filósofo acabou sucumbindo à loucura de Nero, e foi condenado a escolher entre o suicídio e a empalação. Diante dessas circunstâncias, acabou por seguir o exemplo de Sócrates e matou-se.
            Essa é a nossa gangorra.
            Um dia podemos estar bem, saudáveis, felizes: no outro, ser vítimas do leme da Fortuna. Um dos temas recorrentes do estoicismo era justamente esse “Como enfrentar a fragilidade do homem diante do destino?” Para os estóicos, é preciso aprender a perceber até onde nossos esforços podem interferir na ordem das coisas.
            O que diferencia o homem sábio do ignorante não é o volume de conhecimentos, mas a percepção da hora certa de abdicar da própria ação e aceitar o destino. Insistir em algo inútil é sinal de estupidez.
            A revolta contra aquilo que não se pode mudar não é uma atitude inteligente. Se eu não domino a totalidade das variáveis que determinam a minha situação, não faz sentido me revoltar contra aquilo que não posso alterar. O grande ensinamento estóico é o de que ninguém deve ter confiança excessiva naquilo que a vida oferece, porque o mesmo conjunto de fatores que o abençoa também pode derrubá-lo. Os bens da vida são transitórios e a única coisa sobre a qual nós podemos ter algum controle é o nosso próprio caráter.
            A serenidade diante do que não se pode mudar é, na visão de Sêneca, nossa grande resposta para a Fortuna. (...) Perder o equilíbrio é completamente inútil. Por isso carrego sempre uma moeda comigo. Para não esquecer que, nesse mundo, a probabilidade de se ganhar é a mesma de se perder e que nem a mais azulada tristeza nem a mais ensurdecedora alegria duram para sempre. (CAPISTRANO, Pablo. Simples filosofia: a história da filosofia em 47 crônicas de jornal. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. Pp. 79-82.)
                COM BASE NO TEXTO ACIMA, PROCURE RESPONDER CONFORME SE PEDE.
1. Segundo o autor, “somos muito pequenos diante das circunstâncias”, por quê?
2. Qual é o ponto de partida da filosofia estóica? E por que o estoicismo era exercido nos portões das cidades?
3. Fazendo referência ao trágico fim da vida de Sêneca o autor desabafa: “Essa é a nossa gangorra.” O que ele quis dizer com isso?
4. O que diferencia o homem sábio do ignorante?
5. Qual é o grande ensinamento da filosofia estóica?



            

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