quinta-feira, 27 de maio de 2010

Filosofia: A arte de cultivar jardins.

A arte de cultivar jardins

Pablo Capistrano
Numa madrugada dessas, acordei sobressaltado: “Meu celular! Meu celular!”
Não sei se você já passou por isso, mas acredito que um dos distúrbios mais significativos de nossa era, junto com o diabetes, a pressão alta e a síndrome do pânico seja o medo de perder o próprio celular.
Hoje, eu sou um dependente digital. Um viciado eletrônico. E acordo de madrugada com medo de ter deixado meu celular em cima da mesa, na sala de aula. Hoje, só Epicuro pode me salvar.
Nascido em Atenas no ano de 341 a.C., Epicuro partiu para Samos, na costa da Turquia, ainda criança, retornando à terra natal em 321 a.C. Muito provavelmente foi Epicuro o filósofo mais difamado da história ocidental.
Objeto de distorção por parte da Igreja cristã romana, seu pensamento se transformou numa espécie de febre hedonista, uma busca desenfreada pelos prazeres da carne e do corpo, a ponto de ter seu nome vinculado a uma famosa revista de futilidades da Inglaterra, Epicurean Life (especializada em publicar artigos sobre hotéis, iates e restaurantes). Mas Epicuro não se parecia nada com aquilo que dizem que ele foi.
Vivendo num período de decadência da cidade de Atenas, a geração de Epicuro amargou dissabores da desagregação política e econômica da Grécia clássica. Sem expectativas reais de atuação política, Epicuro preferiu se retirar da vida pública e fundou sua própria escola filosófica, longe dos muros da cidade e do burburinho da praça do mercado.
“O Jardim” era uma espécie de “comunidade alternativa”. Lá se buscava a liberdade econômica através do cultivo da terra, a amizade dos vínculos de afeto e do diálogo e a reflexão genuína sobre o que o homem deve cultivar para encontrar um estado de felicidade em sua vida. A busca pela tranqüilidade da alma e pela saúde do corpo era o grande objetivo da escola de Epicuro. Mas, para se chegar a essa serenidade, era necessário enfrentar o desejo.
Filho da ausência, o desejo é um tipo de prazer diante daquilo que não se tem. Desejar é sofrer diante da ausência. Quando eu quero aquilo que não tenho sou levado a um estado de ansiedade e intranqüilidade que me tira do eixo.
Por isso é tão importante para o consumo num grande shopping que o desejo das pessoas seja ativado mediante um conjunto de mecanismos artificiais de produção de necessidades. Diante da ansiedade do desejo, seu comportamento se transforma e você usa mais, fala mais, olha mais, bebe mais, corre mais, come mais, gasta mais e pensa menos.
Sua vida se torna um ciclo sem fim de desejo, ansiedade e consumo, em busca da blusa perfeita, do computador mais moderno e do namorado ou namorada mais fashion. Diante desse estado de coisas você se prende a um mundo de necessidades forjadas e perde o sono à noite pensando que perdeu seu celular e que, por isso, sua vida não faz sentido.
Diante desse quadro patológico coletivo, Epicuro propõe um novo tipo de prazer, oposto ao desejo. O prazer na saciedade é o prazer na presença daquilo que se necessita e não naquilo que se deseja. Para Epicuro, feliz é o homem que busca os prazeres naturais e necessários à vida. Aquele que busca a satisfação naquilo que tem e não a ansiedade por aquilo que não possui.
O jardineiro Epicuro nos ensinou que a felicidade genuína só pode ser atingida quando a alma está serena, e sua serenidade só pode ser atingida quando aprendemos a não trocar nossas noites de sono por causa do medo de perder aquilo que temos ou pelo desejo de possuir aquilo que ainda não chegamos a ter. Afinal, “a quem não basta pouco, nada basta”. CAPISTRANO, Pablo. Simples filosofia: a história da filosofia em 47 crônicas de jornal. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. PP. 72-74.
COM BASE NO TEXTO ACIMA, PROCURE RESPONDER CONFORME SE PEDE:
1. Quem foi Epicuro? Onde e quando nasceu?
2. Por que Epicuro tenha sido talvez o filósofo “mais difamado da história ocidental”?
3. Por que Epicuro passou a “cultivar” jardim?
4. Qual era o grande objetivo da escola de Epicuro?
5. Para Epicuro, o que o deseja representa? E como o shopping hoje usa a “ânsia do desejo”? Você concorda?
6. Diante de um quadro patológico de um ciclo sem fim do desejo, o que Epicuro propõe?
7. O que o jardineiro Epicuro nos ensinou?

A arte de envelhecer

A ARTE DE ENVELHECER
Antônio Roberto
Toda luta contra a realidade nos leva ao sofrimento. O que caracteriza a vida é a transitoriedade, a passagem. Ela é o essencial da existência e nela experimentamos a vitalidade humana, traduzida em fatos, sentimentos, ações e situações que se sucedem no tempo. Viver, portanto, é envelhecer. Não é à toa que no dia do nosso aniversário, dia sagrado do nosso nascimento, os amigos nos desejam “muitos anos de vida”.
Cumprir esse desejo maravilhoso dos que nos amam é envelhecer. Tenho percebido que há uma grande diferença entre envelhecer e ficar velho. Envelhecer é apenas seguir a trajetória natural do rio, fluindo no seu destino e no seu caminho. Nesse sentido, todas as pessoas estão envelhecendo: minhas netas, meus filhos, meus amigos, minha mulher, eu.
Ficar velho é resistir à passagem do tempo, é querer o impossível: ser eterno, desdenhar do transitório, querendo a permanência, a segurança, o definitivo. Ficar velho é lutar contra a realidade humana, cujo valor fundamental está no fato de que tudo passa e que tudo deve ser usufruído. Sempre gosto de repetir que a vida é para ser vivida e não para ser conservada. Não é o envelhecimento que dói ou é ruim. O que nos provoca sofrimento é a idéia que temos do envelhecimento, é a resistência a esse processo que, no fundo, é uma resistência à vida, à espontaneidade, à beleza do viver.
Outra consideração que poderá ajudar a todos nós é que envelhecer é fácil, não depende de nós e por isso todos envelhecemos, inclusive os animais. O difícil, e é uma escolha, é o crescimento. O verdadeiro prazer da existência vem do desenvolvimento do nosso potencial. Pessoas que fizeram um pacto com o crescimento e o aprendizado envelhecem felizes. Aqueles, no entanto, que optaram por observar passivamente a trajetória do tempo, cumprindo apenas o processo biológico, acabam se emaranhando nas teias da acomodação e do medo de morrer.
A chave da felicidade é utilizar a vida, desenvolvendo os próprios talentos, em vez de lamentar seu curso. A idade avançada não nos dá o direito de sermos rabugentos, de reclamar, queixar, acomodar ou justificar a pouca vontade de viver. O tempo é sempre nosso aliado, não nosso inimigo. Daí a minha insistência no fato de que “hoje é o primeiro dia de nossa vida”, nos convidando à celebração e ao recomeço.
Aumentar a nossa competência de viver o momento presente é outro antídoto contra a ignorância ao envelhecer. Com a passar dos anos, somos tentados a nos concentrarmos no passado, principalmente através da saudade e da culpa. Saudade das coisas boas e culpa pelas coisas ruins. Ou então no futuro, com medo da morte e das perdas. Um velho sábio é o que aprendeu, mais do que ninguém, que a melhor forma de viver é viver no presente, no agora, apenas aprendendo com o passado e olhando em paz o futuro. O velho estúpido é o que morreu ou está morrendo antes de morrer e a melhor forma disso é fixar-se no retrovisor ou no amanhã.
No desenvolvimento humano, é natural a perda da vitalidade física, dos movimentos, da saúde, da disposição para muitas coisas. O que não é natural é a perda da vitalidade emocional, espiritual, da esperança. Podemos resumir toda a questão do sofrimento ao envelhecer no processo da auto-estima. Como nossa sociedade é narcisista, baseada em imagens idealizadas, embarcamos no mito da beleza e da juventude, como se a imagem fosse mais importante que vida presente no nosso corpo.
Que diferença faz a idade, se meu coração está batendo, se estou respirando, se posso escutar os sons, apalpar o mundo e celebrar a vida? A felicidade está na forma de lidar com o mundo e não na perfeição. Auto-estima é nos amarmos sem nenhuma exigência ou condição. É nos amarmos tal qual somos, com nossas fraquezas, nossas dificuldades, nossas rugas.
Quanto mais envelhecemos, mais gratidão deve povoar nossos corações como ensinam as antigas tradições espirituais, pois que a idade avançada nos amostra apenas uma coisa: fomos os escolhidos de Deus para testemunharmos, durante longo tempo, a vida que nos foi dada. Vivê-la com graça e com sabedoria é o que temos de aprender. Envelhecer é fácil. O difícil é crescer, aprender, amar, apesar do tempo.” (Texto de Antônio Roberto. ESTADO DE MINAS. Domingo, 4 de julho de 2004. Caderno BEMVIVER, pág. 2).
A partir do que é apresentado pelo autor do texto acima, procure responder:
1.0 “Toda luta contra a realidade nos leva ao sofrimento...”, por quê?
2.0 Para o autor, “viver é envelhecer”. Você concorda com ele? Justifique sua resposta.
3.0 Para Roberto, há diferença entre envelhecer e ficar velho. Qual é? Você concorda? Justifique sua resposta.
4.0 Envelhecer é fácil. O que é difícil?
5.0 Qual é a chave da felicidade, segundo o autor?
6.0 Você tem vivido com competência a sua vida? Justifique sua resposta.
7.0 Para o autor, qual é a melhor forma de viver? Por quê?
8.0 “No desenvolvimento humano, é natural a perda da vitalidade física, dos movimentos, da saúde, da disposição para muitas coisas”. O que não é natural, segundo o autor?