A arte de cultivar jardins
Pablo Capistrano
Numa madrugada dessas, acordei sobressaltado: “Meu celular! Meu celular!”
Não sei se você já passou por isso, mas acredito que um dos distúrbios mais significativos de nossa era, junto com o diabetes, a pressão alta e a síndrome do pânico seja o medo de perder o próprio celular.
Hoje, eu sou um dependente digital. Um viciado eletrônico. E acordo de madrugada com medo de ter deixado meu celular em cima da mesa, na sala de aula. Hoje, só Epicuro pode me salvar.
Nascido em Atenas no ano de 341 a.C., Epicuro partiu para Samos, na costa da Turquia, ainda criança, retornando à terra natal em 321 a.C. Muito provavelmente foi Epicuro o filósofo mais difamado da história ocidental.
Objeto de distorção por parte da Igreja cristã romana, seu pensamento se transformou numa espécie de febre hedonista, uma busca desenfreada pelos prazeres da carne e do corpo, a ponto de ter seu nome vinculado a uma famosa revista de futilidades da Inglaterra, Epicurean Life (especializada em publicar artigos sobre hotéis, iates e restaurantes). Mas Epicuro não se parecia nada com aquilo que dizem que ele foi.
Vivendo num período de decadência da cidade de Atenas, a geração de Epicuro amargou dissabores da desagregação política e econômica da Grécia clássica. Sem expectativas reais de atuação política, Epicuro preferiu se retirar da vida pública e fundou sua própria escola filosófica, longe dos muros da cidade e do burburinho da praça do mercado.
“O Jardim” era uma espécie de “comunidade alternativa”. Lá se buscava a liberdade econômica através do cultivo da terra, a amizade dos vínculos de afeto e do diálogo e a reflexão genuína sobre o que o homem deve cultivar para encontrar um estado de felicidade em sua vida. A busca pela tranqüilidade da alma e pela saúde do corpo era o grande objetivo da escola de Epicuro. Mas, para se chegar a essa serenidade, era necessário enfrentar o desejo.
Filho da ausência, o desejo é um tipo de prazer diante daquilo que não se tem. Desejar é sofrer diante da ausência. Quando eu quero aquilo que não tenho sou levado a um estado de ansiedade e intranqüilidade que me tira do eixo.
Por isso é tão importante para o consumo num grande shopping que o desejo das pessoas seja ativado mediante um conjunto de mecanismos artificiais de produção de necessidades. Diante da ansiedade do desejo, seu comportamento se transforma e você usa mais, fala mais, olha mais, bebe mais, corre mais, come mais, gasta mais e pensa menos.
Sua vida se torna um ciclo sem fim de desejo, ansiedade e consumo, em busca da blusa perfeita, do computador mais moderno e do namorado ou namorada mais fashion. Diante desse estado de coisas você se prende a um mundo de necessidades forjadas e perde o sono à noite pensando que perdeu seu celular e que, por isso, sua vida não faz sentido.
Diante desse quadro patológico coletivo, Epicuro propõe um novo tipo de prazer, oposto ao desejo. O prazer na saciedade é o prazer na presença daquilo que se necessita e não naquilo que se deseja. Para Epicuro, feliz é o homem que busca os prazeres naturais e necessários à vida. Aquele que busca a satisfação naquilo que tem e não a ansiedade por aquilo que não possui.
O jardineiro Epicuro nos ensinou que a felicidade genuína só pode ser atingida quando a alma está serena, e sua serenidade só pode ser atingida quando aprendemos a não trocar nossas noites de sono por causa do medo de perder aquilo que temos ou pelo desejo de possuir aquilo que ainda não chegamos a ter. Afinal, “a quem não basta pouco, nada basta”. CAPISTRANO, Pablo. Simples filosofia: a história da filosofia em 47 crônicas de jornal. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. PP. 72-74.
COM BASE NO TEXTO ACIMA, PROCURE RESPONDER CONFORME SE PEDE:
1. Quem foi Epicuro? Onde e quando nasceu?
2. Por que Epicuro tenha sido talvez o filósofo “mais difamado da história ocidental”?
3. Por que Epicuro passou a “cultivar” jardim?
4. Qual era o grande objetivo da escola de Epicuro?
5. Para Epicuro, o que o deseja representa? E como o shopping hoje usa a “ânsia do desejo”? Você concorda?
6. Diante de um quadro patológico de um ciclo sem fim do desejo, o que Epicuro propõe?
7. O que o jardineiro Epicuro nos ensinou?
Não sei se você já passou por isso, mas acredito que um dos distúrbios mais significativos de nossa era, junto com o diabetes, a pressão alta e a síndrome do pânico seja o medo de perder o próprio celular.
Hoje, eu sou um dependente digital. Um viciado eletrônico. E acordo de madrugada com medo de ter deixado meu celular em cima da mesa, na sala de aula. Hoje, só Epicuro pode me salvar.
Nascido em Atenas no ano de 341 a.C., Epicuro partiu para Samos, na costa da Turquia, ainda criança, retornando à terra natal em 321 a.C. Muito provavelmente foi Epicuro o filósofo mais difamado da história ocidental.
Objeto de distorção por parte da Igreja cristã romana, seu pensamento se transformou numa espécie de febre hedonista, uma busca desenfreada pelos prazeres da carne e do corpo, a ponto de ter seu nome vinculado a uma famosa revista de futilidades da Inglaterra, Epicurean Life (especializada em publicar artigos sobre hotéis, iates e restaurantes). Mas Epicuro não se parecia nada com aquilo que dizem que ele foi.
Vivendo num período de decadência da cidade de Atenas, a geração de Epicuro amargou dissabores da desagregação política e econômica da Grécia clássica. Sem expectativas reais de atuação política, Epicuro preferiu se retirar da vida pública e fundou sua própria escola filosófica, longe dos muros da cidade e do burburinho da praça do mercado.
“O Jardim” era uma espécie de “comunidade alternativa”. Lá se buscava a liberdade econômica através do cultivo da terra, a amizade dos vínculos de afeto e do diálogo e a reflexão genuína sobre o que o homem deve cultivar para encontrar um estado de felicidade em sua vida. A busca pela tranqüilidade da alma e pela saúde do corpo era o grande objetivo da escola de Epicuro. Mas, para se chegar a essa serenidade, era necessário enfrentar o desejo.
Filho da ausência, o desejo é um tipo de prazer diante daquilo que não se tem. Desejar é sofrer diante da ausência. Quando eu quero aquilo que não tenho sou levado a um estado de ansiedade e intranqüilidade que me tira do eixo.
Por isso é tão importante para o consumo num grande shopping que o desejo das pessoas seja ativado mediante um conjunto de mecanismos artificiais de produção de necessidades. Diante da ansiedade do desejo, seu comportamento se transforma e você usa mais, fala mais, olha mais, bebe mais, corre mais, come mais, gasta mais e pensa menos.
Sua vida se torna um ciclo sem fim de desejo, ansiedade e consumo, em busca da blusa perfeita, do computador mais moderno e do namorado ou namorada mais fashion. Diante desse estado de coisas você se prende a um mundo de necessidades forjadas e perde o sono à noite pensando que perdeu seu celular e que, por isso, sua vida não faz sentido.
Diante desse quadro patológico coletivo, Epicuro propõe um novo tipo de prazer, oposto ao desejo. O prazer na saciedade é o prazer na presença daquilo que se necessita e não naquilo que se deseja. Para Epicuro, feliz é o homem que busca os prazeres naturais e necessários à vida. Aquele que busca a satisfação naquilo que tem e não a ansiedade por aquilo que não possui.
O jardineiro Epicuro nos ensinou que a felicidade genuína só pode ser atingida quando a alma está serena, e sua serenidade só pode ser atingida quando aprendemos a não trocar nossas noites de sono por causa do medo de perder aquilo que temos ou pelo desejo de possuir aquilo que ainda não chegamos a ter. Afinal, “a quem não basta pouco, nada basta”. CAPISTRANO, Pablo. Simples filosofia: a história da filosofia em 47 crônicas de jornal. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. PP. 72-74.
COM BASE NO TEXTO ACIMA, PROCURE RESPONDER CONFORME SE PEDE:
1. Quem foi Epicuro? Onde e quando nasceu?
2. Por que Epicuro tenha sido talvez o filósofo “mais difamado da história ocidental”?
3. Por que Epicuro passou a “cultivar” jardim?
4. Qual era o grande objetivo da escola de Epicuro?
5. Para Epicuro, o que o deseja representa? E como o shopping hoje usa a “ânsia do desejo”? Você concorda?
6. Diante de um quadro patológico de um ciclo sem fim do desejo, o que Epicuro propõe?
7. O que o jardineiro Epicuro nos ensinou?