CRÔNICA
DO PROFESSOR
BRAÇO-DE-FERRO,
CORAÇÃO DE MACELA.
PROFESSOR
MÁRIO MÁRCIO DE QUADROS
Orientadora de profissão. Aplicada aos quefazeres, por
natureza. Habituada a revelar-se no silêncio do olhar que se fez na presença
mágica do caminho, na química do encontro, no encanto pessoal, nos segredos da
bondade. É a favor do diálogo; do encontro cuidadoso, acordado no equilíbrio
das relações humanas. Num português vivo, firme e aberto à plenitude da
existência, traz o abraço amigo no aperto de mãos, prosa e poesia no brilho do
olhar, um canto de raiz no coração.
Nesses quinze anos passamos juntos à caça do saber.
Trocamos ideias a respeito dos rumos da educação na Escola Estadual Henrique
Diniz, a de Jovens e Adultos, sobretudo. Sempre apresentou muito carinho e
apreço pela EJA. Sempre destinou parte de sua perícia e afeto profissional ao
Projeto. Sabe dos problemas habituais que cada aluno, professor e funcionário
enfrentam para estudar e trabalhar à noite. Por isso, se dispôs a ajudar a
todos, indistintamente. (Aliás, faz parte de sua vida acolher as pessoas.)
Todos na Escola ganham importância e visibilidade com seu trabalho de servidora
pública que respeita o público. (Coisa rara hoje em dia: ética e competência
profissional numa só pessoa).
Essa sua atitude,
aparentemente simples, fez diferença enorme na vida das pessoas envolvidas com
a EJA. Seu sorriso remove montanhas, e quebrou barreiras do preconceito ao
Projeto. Em nenhuma outra instituição da SRE de Barbacena a Educação de Jovens
e Adultos é tão valorizada como aqui na nossa Escola. Devemos isso a você,
Terezinha. Você que incentiva o trabalho em equipe e nos diverte com sua
agradável presença, comprova: “não somos nada sem os outros”. E com um sorriso
nos olhos e equilíbrio no coração, nos sugere que o sucesso da EJA deva ser
atribuído a cada um de nós: professor, aluno, direção e funcionário. Para que a
escola realize e faça a diferença é preciso que todos resolvam sua parte; e
estejam dispostos a trabalhar para transformar sonhos em realidade. Você
defende essa tese. E, sem dizer palavras, articula: “só vamos construir
castelos na areia se não assentarmos seus alicerces na realidade da Comunidade
Escolar”.
Em seu modo de ver, o aluno não é um dado estatístico a
ser contabilizado ou um número da chamada, simplesmente. Ele é uma pessoa que
será recebida por você em nome da escola, em sua inteireza física, social e
humana. Identificar indivíduos pelo nome e sobrenome; cobrar deles participação
e compromisso ao projeto; conquistar a disciplina escolar na dialética do
argumento; pensar calendário de provas; reuniões pedagógicas e conselhos de
classe; taletas e fechamento dos diários; apresentação dos resultados parcial e
final das turmas; reunir-se com pais, alunos, direção, professores,
funcionários; coordenar o PEAS. Inúmeras atribuições para uma pessoa que, ao
assegurar o andamento eficiente do trabalho coletivo, se mantém anônima.
Discreta no seu canto, mas em paz consigo mesma.
Profissionalmente já estive à beira do abismo na arte do
educar. Sentindo-me condenado às favas, dentro e fora da sala de aula. Mas hoje
posso dizer orgulhosamente e com brilho nos olhos que, a exemplo de meus
colegas, contei com o carinho e o respeito profissional da Terezinha para me
erguer do chão. Sempre disposta a ajudar e a oferecer o ombro amigo, a quem
quer que seja; em defesa do bom senso, do profissionalismo e do entendimento
humano. Que eu tenha lembrança, ela nunca discriminou ou fez diferença entre
essa ou aquela pessoa. (Sua história é pautada pela inclusão, sempre foi.) E
jamais se intimidou, ou se deu por vencida, quando desafiada pelos ossos do
ofício. E detalhe: nunca perdeu o enfoco, o bom senso e a disposição para
trabalhar.
Nós, seus discípulos, nos orgulhamos
de conviver com ela no ambiente escolar. Sua firmeza de caráter e disposição
para o trabalho recarrega nossas baterias para o encontro diário com os alunos.
E toda aquela nossa insegurança de relacionamento e falta de empatia em algumas
turmas é vencida imediatamente,
quando sentimos sua presença motivadora e amistosa ao nosso lado.
Engraçado. Quando há mais de trinta anos me arrisquei no
Magistério, soube que precisaria mirar o fundo da sala, para me sentir à
vontade e resguardado diante da turma, sobretudo no primeiro dia de aula. Por
muitos anos fiz isso. Tentei não olhar nos olhos dos alunos, receando não me
sustentar de pé diante deles. Isso dez, quinze anos depois de me estabelecer no
ensino.
Ledo engano! Não é que a Terezinha virou toda minha
certeza de cabeça para baixo!
Ao contrário do que vinha fazendo, ela me disse para
olhar nos olhos dos colegiais; e dizer a eles que eu era, e sempre seria um
aprendiz a vida inteira. E estava ali, à frente da sala, para celebrar a mágica
dessa revelação. Confesso que cheguei a desconfiar dessa sua fala. Mas, uma,
duas semanas depois, eu estava me sentindo o próprio Fernão Capelo Gaivota, ave
idealista de Richard Bach que descobriu um propósito para seus voos. Um pária que, ao contrário do bando, voava
pelo simples prazer de voar. E aprendeu com o tempo que “vê mais longe a
gaivota que voa mais alto”. E voa mais alto quem tem um propósito na vida.
Você é a EJA, Terezinha. E a EJA é você.
Barbacena,
30/07/2014.
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