segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Atividade Avaliada de Filosofia




DOS DESENCONTROS
Ana Maria Machado

            A flexibilidade que vemos hoje nos relacionamentos, esse leque de opções de modos de se relacionar, tem como contrapartida – talvez por uma pressão social proveniente do capitalismo e do individualismo – uma tendência à insatisfação. Em outras palavras, existe uma premência[1] de partir para a próxima relação. Então, apesar de tantas possibilidades, por que muitas vezes as pessoas não conseguem resolver certas questões dentro da relação em que já estão? Se dizemos que “família é tudo igual”, “mãe é tudo igual”, com o próximo parceiro ou companheiro as dificuldades não serão as mesmas? De onde surge a premência da troca? Creio que esse desencontro, esse equívoco deriva da expectativa, ilusória, de que o outro vem pronto para mim. Uma noção característica de nossa sociedade de consumo. Ou eu quero e me serve, ou vou à loja e troco. Quer dizer, por vezes perde-se a noção de que o relacionamento é uma construção, um contrato renovável em que as regras se alteram durante sua vigência, altera-se o tipo de relação que se quer etc. É preciso conversar franca e abertamente; acho que falta falar mais, dialogar. O amor nasce da imaginação expressa em palavras. Quando não se conversa sobre isso ou quando se ridiculariza o assunto, dizendo que discutir a relação é coisa de mulher, aí acabou, sai cada um para um lado, fazer outra coisa. Não houve um investimento.
            Acho que a busca permanente de alguns decorre da suposição de que o outro está pronto e que esse outro é sua “metade da laranja”, é sua “alma gêmea” ou não é nada – é só trocar, devolve-se este para pegar um no seu número ou em outra cor ou modelo. Mas as coisas não são assim. Os relacionamentos são dinâmicos, alteram-se, são repactuados, e é essa compreensão que permite seu crescimento e, eventualmente, sua manutenção.
            Por outro lado, quantas e quantas vezes não se vêem gente que teve uma bela relação durante dez, quinze anos, mas que, num determinado momento, percebe que não dá mais, sai para outra, ou foram às circunstâncias que mudaram, e as pessoas acham que o casamento foi um fracasso. Não foi, durou aquele tempo. As pessoas mudaram no decorrer da vida. Nós estamos mais longevos, estamos vivendo experiências que não são apreendidas da mesma maneira pelos parceiros, por mais que sejam íntimos, por mais que se acompanhem. Quando eles conversam muito, é mais fácil seguir juntos, mas quando cada um de nós leva sua vida num compartimento estanque (e isso não tem nada a ver com morar junto ou não; não é uma questão de tipo de família), enfim, quando não se dialoga sobre o que importa, e não se compartilha o entusiasmo por uma coisa, uma dúvida sobre outra, um sofrimento, uma aflição, então aí vai aumentando o distanciamento. Chega um dia em que eles concluem que já não têm tanto em comum. Mas isso não quer dizer que tudo que ficou para trás tenha sido um fiasco. Quis falar desse cenário porque muitas vezes existe uma cobrança da pessoa consigo mesma, uma tendência de se culpar. (MACHADO, Ana Maria & SCLIAR, Moacyr. Amor em texto, amor em contexto: um diálogo entre escritores. Campinas, São Paulo : Papirus 7 Mares, 2009. (Coleção Papirus Debates). PP. 46-48).
                A PARTIR DA LEITURA DO TEXTO ACIMA, PROCURE RESPONDER CONFORME SE PEDE.
1 – Segundo a autora, de onde surge a premência (a urgência) da troca [de parceiros]?
2 – Discutir a relação é coisa de mulher? Justifique sua resposta com partes do texto.
3 – As coisas são assim... O outro é nossa “metade da laranja”, ou não é nada disso? Justifique sua resposta.
4 – Um casamento que durou dez, quinze, vinte anos e depois termina, foi um fracasso?
5 – Para a autora, o que é fundamental para se sustentar um relacionamento duradouro? Você concorda? Justifique-se


[1] Premência: urgência.

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